Psicóloga brasileira do Médico Sem Fronteiras conta como foi o Mundial no país: energia racionada, felicidade marfinense e festa depois de velório
Mariana ao lado de uma colega de trabalho
Cidade com cerca de 30 mil habitantes, devastada pela miséria como tantos outros lugares do continente. Motivos não faltam para a presença de um hospital do Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização francesa de ajuda humanitária na área de saúde. Um lugar onde nem todos puderam acompanhar a primeira Copa do Mundo da história em solo africano. E aonde desde março deste ano a psicóloga carioca Mariana Fraga dos Santos, de 28 anos, presta serviço à ONG.
As crianças são mal-nutridas e a população sofre com malária, aids e meningite, entre outras doenças. Não há luz elétrica e o hospital do MSF, onde Mariana supervisiona o atendimento a pacientes com traumas psicológicos, funciona a base de gerador e energia solar.
- A saúde pública é inexistente. O Brasil não pode nem reclamar. É normal usarmos lanterna, lampião ou vela para racionar a energia. Televisão e geladeira são os únicos eletrodomésticos que existem - conta ela por telefone de Portugal, onde passa 10 dias de folga com a família.
No interior do continente, a República Centro Africana e a pequena Boguila. Durante a Copa, o cinema no centro de Boguila, também movido a gerador, era a única forma dos moradores assistirem aos jogos. Mas o espaço era limitado e a entrada, cobrada. Junto com três colegas de trabalho, sendo dois da Costa do Marfim, Mariana comprou uma antena para sintonizar as partidas.
- Víamos os jogos depois do expediente. Contra o Brasil, os marfinenses ficaram na maior felicidade só porque fizeram um gol. Para eles já bastava – diz a psicóloga, sobre a vitória verde amarela por 3 a 1 na fase de grupos.
Crianças de Boguila, fãs de Kaká
Ter nascido no país do futebol pentacampeão provoca naturalmente a curiosidade das pessoas. Além disso, Mariana também é portuguesa:
- Me perguntavam para quem eu ia torcer por causa da dupla nacionalidade. Eles gostam muito de futebol. Falam do Kaká, usam camisas de times e jogam. As pessoas ficaram tristes quando o Brasil perdeu. Menos os meus chefes, holandeses, que aproveitaram para me zoar.
Por causa do MSF, a luso-brasileira mora em uma área considerada privilegiada. Desde 2006 o país não está em guerra. Mas os rebeldes armados dominam algumas regiões - a própria Mariana deparou-se com eles, mas por fazer parte da ONG foi respeitada. As eleições marcadas para abril não aconteceram e o presidente golpista François Bozizé continua no poder desde 2003. Ladrões fecham ruas, invadem casas e estupram mulheres, mas em áreas distantes de Boguila. Porém, nada causa mais medo na psicóloga do que a fauna local:
- Os bichos são assustadores. Tem cobra, lagarto, aranha... De vez em quando entra um escorpião debaixo da cama – enumera Mariana, que no Brasil se desesperava ao ver uma lagartixa.
Celebração após velório em Boguila: cantoria, dança, tambor e café (Foto: Reprodução)Fora da rotina profissional, a luso-brasileira encontrou um povo amigável, que convive harmoniosamente apesar das dificuldades e das diferenças religiosas. Ela experimentou as exóticas tradições culturais, como no dia em que participou de uma celebração depois de um velório.
- O cunhado de um pastor havia morrido. As mulheres choram e demonstram sofrimento. Mas depois cantam e dançam algo parecido com jongo, ao som de um tambor. A festa é regada a café e dura a noite inteira.
A Copa do Mundo acompanha a vida de Mariana desde o dia em que ela nasceu. Era 14 de junho de 1982, dia de Brasil x União Soviética pela fase de grupos do Mundial da Espanha. A mãe, Júlia, sentiu as primeiras contrações do parto um pouco antes da partida começar. Era o momento de de ir para a maternidade, do outro lado da rua. Sua chegada ao mundo acabou “atrapalhando” o pai, Aristóteles.
- Ele não queria ir, falava para a minha mãe esperar mais um pouco. Mas não teve jeito. Quando chegamos na maternidade até os médicos queriam ver o jogo.
Resta saber o que aguarda a psicóloga daqui a quatro anos, quando será disputada a Copa de 2014. Estando ela no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.




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